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Afinal, mais da metade dos rios do Brasil estão secando?

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Afinal, mais da metade dos rios do Brasil estão secando?

Cibele Lana 20 mar 2025
Professor Ricardo Hirata.
Arquivo pessoal, professor Ricardo Hirata.

Para o Dia Mundial da Água, trazemos uma entrevista com o professor Ricardo Hirata, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Projeto SACRE | Soluções integradas de água para cidades resilientes. O professor explica os desafios da gestão de águas subterrâneas no Brasil e o problema crônico com poços irregulares. E ainda comenta o recente artigo científico sobre a superexploração das águas subterrâneas e o comprometimento da vazão dos rios que ganhou a mídia com um título duvidoso.

Confira a entrevista. 

1.   Por que a gestão de águas subterrâneas é um problema do Brasil e do mundo?

Por que a gestão de águas subterrâneas é um problema do Brasil e do mundo?
Fonte: Canva.

As águas subterrâneas ainda são uma grande desconhecida da sociedade, mesmo daqueles que têm a responsabilidade pela gestão dos recursos hídricos. É um problema mundial a tal ponto que a Unesco declarou, em 2022, o ano da água subterrânea com o mote: “tornar visível o invisível”.

Esse desconhecimento não somente traz problemas, como o da superexplotação – quando se extrai mais do que a capacidade de recarga, mas também acoberta as oportunidades que estas águas subterrâneas podem oferecer para a sociedade, para a economia e para o ambiente, sobretudo em um mundo sofrendo por problemas causados pela falta de água de qualidade e de baixo custo.

2.   E qual a importância dessas águas subterrâneas para a manutenção dos nossos rios?

Um dos principais serviços ecológicos que os aquíferos nos oferecem é a manutenção da água em rios e em áreas úmidas, como pântanos e mangues. Dados da própria Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) mostra que 90% dos rios brasileiros têm relação hidráulica e dependência dos aquíferos.

Dessa forma, o gerenciamento dos recursos hídricos tem que considerar os aquíferos como parte (efetiva) do ciclo hidrológico, e não há como ter um uso responsável e sustentável das águas sem considerar os aquíferos, onde encontram-se 97% da água doce e líquida do planeta.

A potencialidade de problemas causado pela extração de poços é um alerta para que os gestores ambientais e de recursos hídricos olhem essas regiões com atenção e peçam estudos de detalhe, comprovando ou não o impacto.

3.   Qual é a extensão do problema de poços irregulares de águas subterrâneas no Brasil?

Qual é a extensão do problema de poços irregulares de águas subterrâneas no Brasil?
Fonte: Canva.

No Brasil, acredita-se que 80% dos poços tubulares (os chamados artesianos ou aqueles perfurados com uma sonda) são irregulares ou desconhecidos.

Nosso país é o 8º maior usuário de água subterrânea e o seu uso se faz por autorização dada pelo Estado, através de mecanismos de outorga.

Embora a irregularidade dos poços esteja diminuindo, sobretudo em estados como São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará, a irregularidade é regra e isso dificulta uma gestão adequada. Afinal, como é possível gerenciar um recurso quando a maior parte dos seus usuários é irregular ou clandestina?

4.   Em recente artigo publicado na Nature Communications, cientistas brasileiros e estrangeiros alertam para o comprometimento da vazão dos rios no Brasil em decorrência da superexploração de águas subterrâneas. Qual a sua opinião sobre este estudo?

Acho que, como a maioria dos pesquisadores, eu tomei conhecimento desse artigo por meio da mídia, que deu um grande destaque à pesquisa. O que mais chamou a atenção foi o título da reportagem, que afirmava que mais de 50% dos rios estavam secando. Assim, o título ganhou o mundo, mais que o artigo em si.

O trabalho de Gescilam e colaboradores têm muitos méritos. Um deles é usar um conceito e um método simples e ser baseado em dados existentes. É um trabalho de reconhecimento regional e mostra que há potencialidade de impacto da explotação de aquíferos em rios. No entanto, o estudo precisa ser aprofundado e os resultados confirmados com estudos locais.

Uma análise cuidadosa do artigo original, mostra, contudo, que a pesquisa: i) não teve uma abrangência tão ampla, mas sim nas áreas onde há poços com dados suficientes, e ii) que há risco potencial e não necessariamente uma afirmação de que os rios estão efetivamente secando, como induz o título das matérias jornalísticas, mas não o artigo.

O fato de os níveis de poços serem mais baixos que o rio, não necessariamente representa o seu secamento.

Mostra que há potencial de fluxo do rio para o aquífero, mas outros fatores têm que entrar em jogo, inclusive:

·   Quanto de água se está retirando do aquífero (em relação a vazão do rio), através do bombeamento;

·   Isolamento entre o rio-aquífero (condutância);

·   Períodos de maior e menor extrações em relação às vazões sazonais do rio etc.

Assim, o fato de poços terem níveis menores que um rio nas redondezas (no artigo os autores usaram 1 km de distância) não se traduz em problema ao rio ou ao aquífero. Aliás, usar parte da água que flui em um rio para abastecer um poço em sua margem é uma técnica que se chama riverbank filtration e é muito usada desde o final do século XIX na Alemanha e Inglaterra, e ajuda a aumentar a vazão dessas obras.

Outro viés do trabalho é que ele é apoiado onde há poços reportados no cadastro do Serviço Geológico do Brasil e esses geralmente se encontram onde há maior necessidade de água, ou seja, onde há explotação e consequentemente onde há interferências hidráulicas e rebaixamentos. O estudo considerou dados de 146 mil captações, dos quais os autores selecionaram 17,9 mil poços.

Um estudo que o nosso grupo do CEPAS|USP fez para o Instituto Trata Brasil em 2019 estimou a existência de 2,5 milhões de poços tubulares. Hoje, acreditamos que já estamos em 3 milhões de obras. Assim, o banco de dados – que ademais são incompletos, cobre apenas 5% do total de poços. Extrapolar isso para todo o país ou para todos os rios é um erro induzido pelo título.

Caso tivéssemos os dados de todos os poços poderíamos observar resultados melhores, uma assertividade maior e quem sabe os resultados poderiam mostrar uma situação diferente da observada. Não saberia nesse momento dizer se pior ou melhor.

Mas o alerta é válido pois a metodologia é sólida e os resultados consistentes, desenvolvido por uma equipe muito boa.

Fato é que a relação rio-aquífero ainda é tema pouco estudado no mundo, e particularmente pelo país. A boa gestão dos recursos hídricos passa por esse entendimento. Dada a complexidade dos estudos hidrogeológicos, as áreas onde há mais perigo de ocorrência de problema, ou seja, onde há maior densidade de extração, deveríamos estudar com detalhes para comprovar os reais impactos e depois, resolvê-los.

Para saber mais sobre o projeto SACRE | Soluções integradas de água para cidades resilientes, acesse:

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