Ana Primavesi: uma vida dedicada à terra
No último dia 5, faleceu em São Paulo a agrônoma e professora Ana Maria Primavesi, pioneira da agroecologia no Brasil, aos 99 anos.
Foto: Virgínia Knabben/reprodução Facebook
Nascida na Áustria, em 1920, como Annemarie Baronesa Conrad, chegou a ser presa em um campo de concentração durante o período nazista e em 1948 veio para o Brasil, acompanhada do marido.
Aqui, iniciou sua carreira na Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul e nos 60 anos seguintes desenvolveu estudos sobre a terra, com publicações de livros e aprofundamento de técnicas como o manejo ecológico do solo e a rotação de culturas. Entre suas dicas agroecológicas estava o quebra-vento, uma barreira vegetal usada para proteger as plantas contra a ação do vento.
Até hoje, em qualquer faculdade de agronomia, seu livro “Manejo ecológico do solo” é bibliografia indispensável, em particular para quem estuda agricultura orgânica.
“O homem é o que a terra, ou o solo, faz dele”, dizia Primavesi. A pesquisadora colecionou prêmios, lutou pela terra, pela agricultura, pelo espaço da mulher na ciência, pela natureza e revolucionou a agroecologia na América Latina e no mundo.
Seu falecimento foi anunciado com um título inspirador e certeiro: “Um jatobá que tomba, centenário.”
Confira abaixo o texto na íntegra em homenagem a Ana Primavesi.
Reforçamos com ele nossa admiração pela pessoa e pelo legado de Primavesi pela agroecologia e pela natureza do nosso país.
Nossa querida Ana Maria Primavesi faleceu hoje, aos 99 anos de idade. Quase um século de vida, cerca de 80 anos dedicados à ciência no e do campo. Descansa uma mente notável, uma mulher de força incomum e um ser humano raro.
Afastada de suas atividades desde que passou a morar em São Paulo com a filha Carin, Ana recolheu-se.
Quase centenária, era uma alma jovem num corpo envelhecido que, mesmo se tivesse uma vitalidade para mais 200 anos, não acompanharia uma mente como a dela.
Annemarie Baronesa Conrad, seu nome de solteira, desde pequena apaixonou-se pela natureza, inspirada pelo pai. Naturalmente entrou para a faculdade de agronomia, mesmo Hitler tentando fazer com que as “cabeças pensantes” desistissem de estudar. Ela não só era uma das raras mulheres na faculdade como também aquela que destacou-se por seu talento natural em compreender o invisível: a vida microscópica contida nos solos.
Nestes 99 anos de vida, enfrentou todas as perdas que uma pessoa pode sofrer: irmãos, primos e tios na Segunda Guerra. Posteriormente, pai, mãe, marido. E seu caçula Arturzinho, a maior das chagas, que é perder um filho.
Sua morte hoje, causada por problemas relacionados ao coração, encerra uma vida de lutas em vários âmbitos, o principal deles na defesa de uma agricultura ecológica, ou Agroecologia, termo que surge a partir de seus estudos e ensinamentos. Não parece ser à toa que esse coração, que aguentou tantas emoções (boas e ruins) agora precise descansar.
Nosso jatobá sagrado, cuja seiva alimentou saberes e por sob a copa nos abrigamos no acolhimento de compreendermos de onde viemos e para onde vamos, tomba, quase centenário. Ele abre uma clareira imensa que proporcionará ao sol debruçar-se sobre uma nova etapa, a da perpetuação da vida. E dos saberes que ela disseminou.
Antes de tombar, nosso jatobá sagrado lançou tantas sementes, mas tantas, que agora o mundo está repleto de mudas vigorosas, prontas a enfrentar as barreiras que a impediriam de crescer. Essas mudas somos todos nós, cada um que a amou em vida, cada um a seu modo.
Nossa gratidão pelo legado único que nos deixa essa árvore frondosa, cuja luta pelo amor à natureza prevaleceu. A luta passa a ser nossa daqui em diante, uma luta pela vida do solo, por uma agricultura respeitosa, por uma educação que se volte mais ao campo e suas múltiplas relações.
Ana Primavesi permanecerá perpetuamente em nossas vidas.
Como diz nosso querido amigo Fabio Santos, parafraseando Che Guevara:
“Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a Primavesi inteira.”
por Virgínia Knabben