INSTITUTO ECKOS LOGO

Blog

Trilha da Campolina, no Parque Estadual do Rio Doce. Foto: Marina Tiengo

#NossoBlog

Mata Atlântica: a floresta verdadeira

Marina Tiengo 24 maio 2023

Um interminável tapete verde, salpicado pela glória de árvores inteiras em plena floração – o rosa-púrpura de sapucaias, o branco e vermelho de copaíbas, o amarelo de guapiruvus, o violeta de jacarandás.” Assim Warren Dean descreve como seria a vista de um sobrevoo de 747 que voasse de volta no tempo sobre o bioma hoje habitado por aproximadamente 70% da população brasileira: a Mata Atlântica. A Mata Atlântica, chamada Caáetê, em tupi pelos povos indígenas, seus habitantes originais, traduzida como a Floresta Verdadeira, a Floresta Ilesa, é composta por um complexo de formações florestais de biodiversidade inestimável.

Fazem parte deste complexo: a Floresta Ombrófila Densa; a Floresta Ombrófila Mista, também conhecida como Mata de Araucárias; a Floresta Ombrófila Aberta; a Floresta Estacional Semidecidual; a Floresta Estacional Decidual; e os ecossistemas associados: manguezais, vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.

A Floresta Verdadeira abriga a segunda maior biodiversidade das Américas e o maior número de espécies por área, conforme informações levantadas pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Dados coletados pela SOS Mata Atlântica materializam a importância do bioma para a conservação da biodiversidade: são mais de 2.400 espécies de vertebrados atualmente registradas, sendo mais de 320 espécies de mamíferos, 860 de aves, 300 de répteis, 620 de anfíbios e 300 de peixes. Aproximadamente 48% do total destas só ocorrem na Mata Atlântica, ou seja, são endêmicas ao bioma. Para a flora o contexto não é diferente: são conhecidas mais de 15.000 espécies, que representam 4% de toda a flora mundial, sendo que 49,5% são endêmicas. A Mata Atlântica protege cerca de 50,5% de todas as espécies ameaçadas do Brasil, destas, 38,5% são endêmicas.

O bioma é reconhecido nacional e internacionalmente pela sua importância para a conservação e, infelizmente, pelas ameaças que sofre. A Constituição Brasileira de 1988 reconhece a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional. É também o único bioma brasileiro protegido por uma lei especial, a Lei da Mata Atlântica, que dispõe sobre sua proteção e uso de sua biodiversidade e recursos (Lei n° 11.428, de 2006, regulamentada pelo Decreto n° 6.660, de 2008). Internacionalmente, desde 1991, diversos territórios inseridos na Mata Atlântica são reconhecidos como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) pela UNESCO, abrangendo uma área de cerca de 89 milhões de hectares, cobrindo aproximadamente 66% da Mata Atlântica. Ainda, o bioma é considerado um dos hotspots globais prioritários para proteção, devido a sua elevada riqueza biológica e endemismos, e pela grande pressão e perda de cobertura da vegetação nativa sofrida.

Estima-se que a Mata Atlântica, originalmente ocupava por volta de 1,5 milhões de km2 distribuídos pelo Brasil, Argentina e Paraguai. Destes, mais de 1,1 milhão km2 encontram-se em território brasileiro, se estendendo por grande parte de nossa costa e interiorizando-se por 17 estados. Hoje, de acordo com levantamentos da SOS Mata Atlântica, restam apenas 12,4% de florestas maduras e bem preservadas.

Cobertura original X Remanescentes atuais da Mata Atlântica brasileira. Fonte: SOS Mata Atlântica, 2023

Warren Dean menciona que a história florestal em todo planeta é uma história de exploração e destruição. A história dos 12% que restaram de floresta preservada não é diferente, sendo consequência de diferentes ciclos de exploração humana de recursos naturais e da ocupação territorial a partir da costa brasileira, desde o período colonial. Esses processos, altamente desordenados, resultaram na drástica redução da cobertura florestal e na intensa fragmentação deste bioma, impactando diretamente a dinâmica ecológica e a conservação da biodiversidade.

De acordo com o relatório 30 Anos de Conservação do Hotspot de Biodiversidade da Mata Atlântica, as florestas remanescentes encontram-se altamente fragmentadas, sendo que a maioria dos fragmentos não chega a ocupar 50 hectares e 80% deles estão localizados em terras privadas. Os dados do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica de 2022 ainda apontam um aumento no desmatamento nos últimos anos, entre 2021 e 2022 foram desmatados 21.642 hectares de florestas, um aumento de 66% em comparação ao período anterior (2019-2020) e de 90% em relação ao período com menor valor da série histórica desde 1990 (2017-2018).

Trilha da Campolina, no Parque Estadual do Rio Doce. Foto: Marina Tiengo
Trilha da Campolina, no Parque Estadual do Rio Doce. Foto: Marina Tiengo

Atualmente a conservação da Mata Atlântica passa por novo ataque e ameaça, com a proposta de Medida Provisória 1.150/2022 em curso no Congresso Nacional, que desmonta a proteção legal do bioma estabelecida com a Lei da Mata Atlântica em 2006. O texto, editado no governo anterior, foi aprovado pela Câmara em março de 2023; em maio foi para avaliação do Senado, que impugnou as medidas contrárias à Lei da Mata Atlântica; e, no mesmo mês, a Câmara dos Deputados as recolocou em pauta. A MP 1.150/2022 agora vai para sanção ou veto pela Presidência da República. A medida provisória flexibiliza o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração, retira a necessidade de parecer técnico prévio para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, retira a exigência de medidas compensatórias para supressão de vegetação em APP, dentre outras permissões perigosas, que vão na contramão da proteção do bioma.

O dia 27 de maio, Dia Nacional da Mata Atlântica, deve ser um marco para fortalecermos ações que contribuam para o fim do desmatamento e para a ampliação da cobertura de vegetação nativa do bioma. A aplicação efetiva da Lei da Mata Atlântica e do Código Florestal; a coibição do desmatamento e de outras práticas delituosas; a restauração de áreas degradadas; a criação e a consolidação de unidades de conservação; e a criação e implementação de corredores ecológicos que contribuam para a conectividade de fragmentos florestais, são exemplos de ações e estratégias de conservação da biodiversidade que devem ser fortalecidas em todos os âmbitos da sociedade.

Por Marina Tiengo

Quem viu também gostou:

Mosaico Sertão Veredas: uma floresta modelo.

Referências:

30 Anos de Conservação do Hotspot de Biodiversidade da Mata Atlântica: desafios, avanços e um olha para o futuro. Organizado por Luis Paulo Pinto e Marcia Makiko Hirota – São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica, 2022.

A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Warren Dean; tradução Cid Knipel Moreira; revisão técnica José Augusto Drummond. – São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, período 2020-2021: Relatório Técnico – São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica, 2022.

https://en.unesco.org/biosphere/lac/mata-atlantica, acessado em maio de 2023.

https://rbma.org.br/n/, acessado em maio de 2003.

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ecossistemas-1/biomas/mata-atlantica, acessado em maio de 2023.

https://www.sosma.org.br/causas/mata-atlantica/, acessado em maio de 2023.

Veja também