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Por Cibele Lana.
Realizada em dezembro de 2022, a última Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15) fechou sua Plenária com a aprovação importante do Marco Global da Biodiversidade. Com quatro objetivos e 23 metas, sobre as mais variadas temáticas, o documento foi chamado de “Acordo de Paris” da Biodiversidade, tamanha sua importância para frear o desequilíbrio ecossistêmico.
Um dos destaques do Marco é a validação do papel dos povos indígenas como guardiões da biodiversidade e detentores de saberes inigualáveis sobre o manejo e restauração das áreas naturais.
No Brasil, temos muitos exemplos que comprovam esse papel. Não à toa o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, na Amazônia, foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como Patrimônio Cultural do Brasil. Desenvolvido pelos povos indígenas da região, esse sistema tradicional repleto de saberes evidencia a habilidade desses povos em produzir de forma sustentável, especialmente com a cultura da mandioca, garantindo a conservação da floresta.
Esse é só um exemplo, já bastante difundido no senso comum, de como os povos indígenas desenvolveram formas de manejo sustentável da floresta capazes de produzir alimentos ao mesmo tempo em que mantêm o equilíbrio do ecossistema. De fato, de acordo com o Instituto Socioambiental, foram as técnicas de manejo sustentável dos indígenas que deram origem a produtos que conhecemos hoje, de plantas como a castanheira, a pupunha, o cacau, o babaçu, a mandioca e a araucária.
No entanto, para ir além do senso comum, apresentamos ao menos três pesquisas e relatórios recentes e de alta confiabilidade que atestam a importância primordial dos povos indígenas e suas terras, juntamente com as Unidades de Conservação, para a conservação da biodiversidade dos nossos biomas. Uma comprovação científica e baseada em dados para o que o Marco Global da Biodiversidade já afirma.
O mais recente relatório do projeto Amazônia Viva, do WWF, divulgado no segundo semestre de 2022, afirma que enquanto apenas nove variedades de plantas representam 66% da produção agrícola mundial, os povos indígenas da Amazônia utilizam cerca de 200 espécies diferentes de árvores como fontes madeiráveis, 100 das quais também oferecem outros tipos de produtos. Por isso, o relatório é categórico:
“Os sistemas de produção agrícola biodiversos dos povos indígenas amazônicos ajudam a deter a perda de biodiversidade e desertificação do solo, ao mesmo tempo que contribuem com a soberania alimentar a nível local”.
Para corroborar com a evidência de que os povos indígenas têm muito a nos ensinar sobre desenvolvimento sustentável e proteção dos recursos naturais, uma pesquisa recente conduzida pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada mostrou que a menor taxa de desmatamento na Amazônia Legal entre 2001 e 2020 aconteceu em Territórios Indígenas, enquanto que a maior aconteceu fora desses Territórios e fora das Áreas Naturais Protegidas. Atualmente, são 390 Territórios Indígenas na Amazônia Nacional, representando 22,1% desta região e que confirmam ser, também, uma proteção resiliente contra aqueles garimpeiros, grileiros, madeireiros, fazendeiros etc, que ainda não compreenderam a importância da conservação da floresta e do seu uso sustentável.
Dados como esses são importantes para a fundamentação de acordos globais e nacionais de combate às mudanças climáticas e conservação da natureza. Para contribuir com esse objetivo, um grupo de cientistas publicou em 2018 na Nature Sustainability, um renomado journal científico, o estudo “A spatial overview of the global importance of Indigenous lands for conservation” que fez uso de referências geoespaciais e sugeriu fortemente que “reconhecer os direitos dos povos indígenas à terra, à repartição de benefícios e instituições é essencial para atingir as metas locais e globais de conservação da biodiversidade”.
A pesquisa mostrou também que mesmo que povos indígenas representem apenas 5% da população global, eles administram ou têm direito sobre 38 milhões de km2 de terras em 87 países, o que representa mais de um quarto da superfície terrestre e, ainda, são áreas que cruzam com cerca de 40% de todas as áreas terrestres protegidas e com paisagens ecologicamente intactas.
A figura a seguir foi retirada do estudo e mostra a interseccionalidade entre terras indígenas, áreas protegidas e paisagens naturais em cada região do globo. O círculo maior é proporcional, em escala, à área total terrestre do planeta (excluindo a Antártica).
Em nossa jornada ao longo de anos trabalhando com projetos de biodiversidade, podemos dizer que a experiência em campo nos confirma o que dizem as pesquisas, os relatórios e o próprio Marco Global da Biodiversidade. Onde há respeito pela cultura e pelos territórios dos povos indígenas, consequentemente há também uma conservação maior da biodiversidade.
Entre em contato e saiba mais sobre as nossas iniciativas relacionadas à conservação da biodiversidade.