Precificação de carbono no Brasil – o mercado regulado está próximo?
Por Thiago Othero*
No início deste ano, entidades do setor privado reuniram-se com representantes do Governo para discutir a implementação de um mecanismo regulado de precificação de carbono no Brasil. Tal mecanismo, ainda em estudo, deve envolver o comércio de emissões a partir de um sistema cap and trade. (Ver box no final do artigo).
Um mercado regulado pode ajudar a direcionar mais recursos para uma economia de baixo carbono. Nesse cenário, um número crescente de organizações deve passar a reportar suas emissões de Gases de Efeito Estufa e buscar alternativas para reduzir custos e gerar oportunidades com medidas e projetos socioambientais.
Apesar do tema avançar devagar no Brasil, esse movimento do Governo brasileiro dá continuidade a uma série de ações que vêm sendo desenvolvidas no País. Abaixo, destacamos algumas delas.
Iniciativa pública por um mercado regulado
O Projeto PMR Brasil (Partnership for Market Readiness Brazil) tem por objetivo discutir a conveniência e oportunidade da inclusão da precificação de emissões em território nacional. Com início em 2014 e previsão para encerrar ainda em 2020, o PMR pode prover o Governo brasileiro com uma série estudos essenciais para embasar a decisão sobre como implementar a precificação de carbono e também dar indicativos para os próximos passos.
Em uma segunda fase desse projeto, a partir de julho de 2020, o Banco Mundial dará início ao PMI (Partnership for Market Implementation) e, com ele, espera-se que o Brasil e outros 29 países coloquem em prática iniciativas piloto ou de larga escala envolvendo a precificação de carbono, alinhadas com suas prioridades nacionais e com os compromissos estabelecidos com o Acordo de Paris.
O “empurrão” do setor privado
Além dessas iniciativas públicas, não podemos deixar de destacar a atuação do setor privado em conduzir a agenda de precificação de carbono no País. Por aqui, bancos privados e grandes empresas vêm se posicionando favoravelmente ao mercado regulado. Articuladas pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), lançaram publicações importantes sobre o assunto, que fornecem diretrizes sobre como a precificação de carbono pode tomar forma no Brasil.
Dentre essas publicações, destacamos em especial a Carta Aberta do Setor privado apoiando à precificação de carbono no Brasil e o mais recente Posicionamento Empresarial sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris.
Possíveis características do mercado de carbono regulado no Brasil
Considerando o que está disponível no PMR e nos documentos do CEBDS, podemos esperar que a precificação de carbono no Brasil:
[su_list icon=”icon: check”]
- Priorize mecanismos de mercado (comércio de emissões), desenhado de forma a não elevar a carga tributária
- Tenha uma implementação gradual, com um primeiro período de compromisso restrito a poucos setores da economia e ambições mais modestas. A ênfase deste primeiro período, que deve durar entre dois e cinco anos, será no aprendizado e no desenvolvimento da governança e dos instrumentos necessários para o mercado.
- Tenha elementos para proteger a competitividade dos setores envolvidos, especialmente no contexto das exportações e da economia global.
- Adote regras flexíveis para evitar custos de transação altos.
- Fomente investimentos privados nacionais e internacionais para o cumprimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) do Brasil, conforme proposto pelo Governo Brasileiro no âmbito do Acordo de Paris.
- Regule as emissões de determinados setores da indústria, mas permita a participação de outros setores (como agropecuária) por meio da geração de créditos de carbono.
- Aceite projetos e créditos de carbono levando em conta os aprendizados dos mecanismos existentes, especialmente do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, estabelecido como parte do Protocolo de Quioto.
[/su_list]
Há ainda muito o que se fazer, é verdade. Porém, como destacamos, importantes passos são dados nessa direção.
Sabemos que a pandemia da COVID-19 deve reduzir o ritmo das decisões nesses próximos meses, mas acreditamos que o interesse do setor privado e de grandes investidores nessa agenda deve ajudar o tema a avançar ainda em 2020. Afinal, o tema das mudanças climáticas e da responsabilidade socioambiental corporativas foram de grande importância na última reunião do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos (Suíça) em Janeiro deste ano.
A importância do pioneirismo
A experiência em muitos países vêm demonstrando que as empresas que se preparam com antecedência são beneficiadas quando novas regulações entram em vigor. Ou seja, o pioneirismo tem seus custos, mas gera resultados favoráveis no médio e longo prazos.
Empresas como as apoiadoras institucionais do Programa Compromisso com o Clima vêm liderando esta agenda há bastante tempo no Brasil e agora estão muito melhor posicionadas para aproveitar as oportunidades e evitar os riscos de uma economia que precifica as emissões de carbono.
Os projetos apoiados pelo Programa desenvolvem iniciativas alinhadas com diversos pontos da NDC brasileira. Ter um mercado regulado ajudaria alavancar ainda mais o financiamento desses tipos de projeto que promovem a redução das emissões dos Gases de Efeito Estufa ao mesmo tempo que em geram benefícios ambientais para as comunidades ao seu entorno.
[su_box title=”Como funciona o comércio de emissões” box_color=”#6094a1″ title_color=”#ffffff”]
Nesse mecanismo, é estabelecido um limite de emissões para empresas de um determinado setor. Caso a empresa emita menos CO2e do que seu limite (cap), ela poderá comercializar (trade) seu excedente com as indústrias que emitiram mais do que o limite.
Nesse tipo de mecanismo, normalmente também são aceitos os créditos de carbono, que são certificados que uma quantidade de emissões foi reduzida ou removida da atmosfera pela realização de um projeto. Estes projetos tipicamente envolvem a aplicação de uma tecnologia de baixa emissão de CO2 e são realizados por empresas ou organizações sem fins lucrativos de outros setores que não possuem limites de emissão. Desta forma, o mecanismo de comércio de emissões fomenta as reduções de emissões do setor que é regulado e também apoia o desenvolvimento de iniciativas voluntárias em outros setores da economia.
[/su_box]
*Thiago Othero é especialista em projetos de redução de emissões e serviços de gestão corporativa de carbono. Foi responsável pelo desenvolvimento de projetos de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e sob o mercado voluntário de carbono. Atuou na elaboração de estratégias corporativas de baixo carbono para empresas dos setores financeiro, energético, industrial, de aviação civil e de saneamento, dentre outros. Atua como Coordenador de Projetos no Programa Compromisso com o Clima.
Referências:
Acordo de Paris e NDC Brasileira: https://cebds.org/acordo-de-paris-e-ndc-brasileira/#.Xo3kHupKjGh